No dia 18 de outubro do ano passado, a cantora Maria Gadu apresentou-se no Cabaret Sauvage em Paris. Uma artista incrível, engajada como são a maioria dos artistas brasileiros da nova geração. Ela tem uma presença poderosa, uma simpatia desconcertante e uma abertura musical, que lhe dá a liberdade de misturar elementos da música e palavras com um toque bem brasileiro. Tivemos o prazer de falar alguns minutos com ela e foi um momento cativante. Maria Gadu nos contou sua jornada como artista moderna e comprometida.
José: Como você definiria seu estilo, sua música?
Maria Gadu: Hmm … Não consigo defini-lo. Sou muito eclética, gosto de ouvir diferentes tipos de música, e ao longo dos anos, poder viajar e experimentar outras culturas, outros lugares, outros folclores me enriqueceram enormemente, então minha música continua evoluindo. Não consigo defini-la… defini-la em um conceito! é claro, tem a impressão brasileira, “MPB”, mas a música brasileira e a própria “MPB” estão mudando, precisamente por isso, por causa desses encontros! Eu acho que os músicos da minha geração viajam muito. É uma geração que escuta muitas coisas de outros lugares. Minha música está na encruzilhada de tudo isso … é brasileira porque sou brasileira, mas nem sempre é “Made in Brazil”!
J. Durante o seu concerto, você cantou uma música de Jacques Brel, “ne me quitte pas”, … Qual é seu relacionamento com a França?
M.G: Meu relacionamento … é um relacionamento intenso, meu sogro é francês, de Toulouse. Eu canto essa música desde que eu era pequena. Quando ele escutava Jacques Brel, eu dizia: “Quero aprender, essa musica que estou afim de cantar”, então ele me ensinou. Há também a Regina, que é uma grande amiga da minha mãe e que considero ser alguém da nossa família.
Ela morou em Paris por vários anos, então, cada vez que ela voltava para o Brasil, ela estava “repleta” da França … Até que consegui vir aqui para a França para mostrar minha música, quando tive uma bela descoberta … Estamos construindo um forte vínculo a França e eu, cada vez mais, cada retorno, cada novo encontro … é algo que se constrói, como um amigo que você descobre um pouco mais a cada vez. Meu relacionamento com a França é um pouco assim!
J: Durante o concerto você disse “FORA TEMER” … Gostaria de saber como você se define politicamente … Ou se você prefere não se definir. Qual é sua posição sobre a política?
MG: Acho que é difícil definir a política atual, porque sempre há fantasmas da direita e da esquerda, mas tenho a impressão de que é mais uma coisa híbrida, que não existe mais o lado da direita e esquerda como existia antes. Talvez usemos termos e conceitos inadequados para a nosssa época… Vejo que a maioria das pessoas são mais abertas, elas estão bem ancoradas na democracia moderna. Mas no Brasil, no momento, infelizmente passamos por um período de ignorância sobre o que está acontecendo. As pessoas lêem muito pouco, eles se informam superficialmente na internet lendo três linhas e se declarando especialistas em qualquer assunto … é sério. Eu sou absolutamente contra este governo (Temer) É ilegítimo, luto por haver eleições. Nas eleições municipais de São Paulo, apoiei Fernando Haddad (o ex-prefeito), mas João Doria ganhou. E no Rio, eu voto para Marcelo Freixo. Eu sou para aqueles políticos que falam sobre seres humanos, que não só vêem os números, falam sobre saúde, educação, sociabilidade, políticas de acessibilidade pública, ciclovias, que desejam que os bens culturais sejam de propriedade comum, porque a cultura é uma forma de cidadania. Essa é a minha posição, mas não pertenço a nenhum partido político, porque todos são ligados entre eles, por exemplo, o PT foi apoiado por Temer, na verdade eu busco as pessoas, não os partidos … queremos seres humanos, tentamos encontrar nossa identidade!
J: Houve recentemente um movimento de ocupação de estudantes do ensino médio em São Paulo, na região do Paraná, e isso continua … Existe também uma ascensão dos movimentos da direita ?
MG.: Sim, sim … Eu cantei nos lugares ocupados. Há uma inversão da nova geração, é incrível … Mas a cultura do show tornou-se muito forte no Brasil, então as pessoas ouvem qualquer coisa, coisas fáceis, como o Sertanejo Universitário, que tomou uma magnitude inacreditável. É por causa dessa ignorância que as pessoas estão com raiva contra os artistas que se beneficiaram da Lei Rouanet. Isso é um absurdo, porque, na verdade, há muito poucos artistas que vivem com o dinheiro da Lei Rouanet e, portanto, todos os outros artistas têm má reputação. As pessoas têm ódio … Eles tratam Chico Buarque como um “filho da p …” … É uma loucura que mesmo ele seja tratado com tanto ódio … o que acontece ?!
J: Quando Chico Buarque é insultado, é porque a sociedade está doente ?
MG: Um cara, no Leblon, vendo passar o Chico Buarque, apontou para ele e lhe disse “velho idiota”! O cara passa todo o seu dia na internet dizendo qualquer coisa em seu blog ….
O problema no Brasil é o ideal do capitalismo. As pessoas, em vez de acreditar que a verdadeira riqueza é o conhecimento, pensam que é possuir bens de consumo, 15 salões, 15 geladeiras, 12 carros, ter 13 mil relógios no pulso. E isso que os brasileiros querem, não é ler 5 mil livros, ir para 20 mil peças de teatro, conhecer 200 mil músicas, poder discutir 700 mil assuntos, … não, eles querem possuir 700 mil objetos. Enfim …
Aristão: Eu vi um programa na TV, onde você estava assistindo um concerto, você era adolescente, você saiu chorando, você estava muito emocionada …
M.G : Ah, foi em São Paulo …
Aristão: quem era a cantora?
MG: Marisa Monte.
Aristão: eu tinha certeza!
MG: aconteceu no “Altas Horas”. Foi uma loucura. Serginho Grossman apresentou uma edição especial sobre grandes concertos que aconteceu no parque do Ibirapuera nos últimos 20 anos. Nos arquivos, ele encontrou um vídeo onde eu apareci entre os espectadores, e eu estava chorando. Eu tinha 12 anos de idade. Ele me ligou e me disse: “Eu preciso tirar fotos de você, é para um show, é uma surpresa … Claro que lembro desse dia, foi um dos dias mais bonitos da minha vida. Revisar as imagens deste dia foi tão emocionante! Era tão lindo, legal ver-me lá naquele momento.
Para a versão completa em Francês acessar o link:
http://www.americasconnection.net/site/interview-avec-maria-gadu/